Diante das ondas de desastres naturais que têm afligido nosso mundo nos últimos anos, desde furacões, enchentes e tsunamis, até viroses microscópicos e pandemias, muitos têm perguntado: “Porque sofremos tanto neste mundo?”
Romanos 8 nos lembra que sofrimento faz parte de um mundo que geme debaixo do peso coletivo de quase 8 bilhões de pecadores: Sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora” (Rm 8.22).
Como participante dessa criação, o cristão também sofre: Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com Ele sofremos, também com Ele seremos glorificados. Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós (Rm 8.17,18).
Gememos num mundo que jaz no maligno. Mas não estamos sozinhos. Romanos 8.19-27 descreve três tipos de gemido: O gemido da criação, do cristão e do Espírito Santo.
I. A Criação Geme
Diante de tantos desastres naturais entendemos que a única maneira de salvar o planeta será pela transformação do ser humano. Essas catástrofes não faziam parte da criação original, mas fazem parte das consequências do pecado e de como ele afeta toda a terra. Infelizmente, a preocupação atual está mais focada nos efeitos do pecado no mundo do que na causa deles.
Romanos 8.19-27 nos leva a refletir sobre o estado atual do nosso mundo. Valeria a pena traça o que tem acontecido no meio-ambiente e porque a criação hoje geme.
1) Como era a criação antes da queda e o que aconteceu depois?
Nunca vimos o mundo como Deus o criou antes do pecado. Hoje, apenas enxergamos um vislumbre daquela criação pristina.
Romanos 8.20 diz que a criação está sujeita à vaidade, ou em outras traduções, inutilidade, só que não voluntariamente, mas por causa daquele que a criou. A palavra vaidade traz a ideia de futilidade, algo que é incapaz de atingir o propósito pelo qual foi feito. Quando o autor utiliza a frase não voluntariamente, ele quer dizer não foi por sua própria vontade que tudo isso aconteceu.
Mas, quem sujeitou a criação à vaidade. Existem duas opções:
1) Pode se referir ao próprio Deus. Ele passou a usar a própria criação para disciplinar o ser humano que pecou com o fruto da terra, uma espécie de lex talionis em que o castigo está relacionado ao crime. Já que nos rebelamos contra Deus comendo do fruto da terra, teremos de trabalhar a terra que agora se rebela contra nós. A terra que geme nos lembra todos os dias de que vivemos em um mundo que jaz no maligno e que não mais funciona do jeito que Deus quis.
2) A outra possibilidade é que “aquele” que a sujeitou, somos nós mesmos. Nós que estragamos tudo por causa do nosso pecado no paraíso. Somos os responsáveis pelo estrago na criação.
O texto diz que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias, por causa do pecado, que estragou o que fora perfeito. O nosso destino como raça, está intimamente ligado ao da criação. Vemos isso desde a criação.
A primeira ordem que Deus deu depois de abençoar o casal (Gn 1.28) foi para serem fecundos e encherem a terra, sujeitando-a, dominando sobre os peixes do mar, as aves do céu e todo animal que rastejava pela terra. Nós nos tornamos vice-regentes e guardiões da Terra, continuando a obra de Deus depois que Ele descansou do seu trabalho. Passamos a governar essa terra subjugando, dominando, cuidando, guardando e cultivando-a.
Uma ecoteologia equilibrada reconhece que Deus deu essa mordomia para Adão e Eva e, por tabela, a todos nós. Sujeitar e dominar essa terra significa cuidar e guardar do Jardim (Gn 2.15). Essas duas palavras cultivar e guardar foram usadas no Pentateuco para descrever o serviço (cuidado) do próprio Tabernáculo e a guarda dos mandamentos do Senhor. Sua conotação é de uma obra espiritual, que significa ser um bom mordomo da glória de Deus, refletida na criação.
Conforme Gênesis 3, o homem pecou e os efeitos logo foram sentidos na própria criação: Abriram-se, então, os olhos de ambos e percebendo que estavam nus, cozeram folhas de figueiras e fizeram cintas para si (v.7). O casal pecou com o fruto da Terra, mas também usou folhas arrancadas para se cobrirem em um ato religioso vazio em que tentaram usar a natureza para cobrir seu pecado. Logo em seguida, aprendem que só Deus pode fazer isso por meio do derramamento de sangue, pois Ele teve de matar dois animais para vesti-los, fazendo com que a morte invadisse a história e impactando mais uma vez a natureza.
Depois da queda, o pecado aumentou exponencialmente e a terra passou a gemer cada vez mais. Os próximos capítulos de Gênesis mostram que a terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da maldade dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra (Gn 6.13), comprovando, mais uma vez, que o destino do ser humano e da terra estão intimamente ligados.
Com o dilúvio, Deus lavou a terra para dar um novo começo, mas o pecado dentro do coração do ser humano continuaria fazendo com que o mundo gemesse. Gênesis 9.2-3, registra que todos os animais teriam pavor e medo do homem e que tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar seriam entregues nas nossas mãos.
2) O que acontece hoje com a criação à luz do pecado do homem?
Desastres naturais cada vez maiores fazem parte de um mundo que geme por causa do pecado coletivo do homem. Romanos 8.22 mostra que a criação geme e anseia pela redenção. Esse cenário ilustra a nossa realidade, pois gememos, enquanto ansiamos o novo lar, o mundo que Deus tencionou para nós. A palavra geme traz um significado muito forte, pois sugere a ideia de ficar pressionado, preso e desesperado por não encontrar saída. De fato, o mundo não tem saída dessa angústia ecológica, até a redenção da criação no novo céu e na nova terra.
A criação não somente geme, mas também anseia pelo dia da redenção. O versículo 19 diz que a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. A palavra traduzida “ardente expectativa” tem a ideia de “esticar, estender ou colocar o pescoço para fora”. A criação não vê a hora da revelação dos filhos de Deus.
O destino da natureza está totalmente ligado ao do ser humano e à história da redenção. Enquanto o homem estava na sua inocência, a terra era o paraíso. Quando nós nos rebelamos contra Deus, a terra se rebelou contra nós. O versículo 21, no entanto, traz a esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro para a liberdade da glória dos filhos de Deus. A criação só será resgatada, quando Deus separar definitivamente o joio do trigo, e os filhos de Deus serão manifestados.
A única esperança para a natureza é a transformação do coração do homem. Caso não haja uma verdadeira conversão do pecador egoísta, será impossível transformar o meio ambiente. O egoísmo nato do coração pecador estraga a natureza porque só pensa em si. A vida outrocêntrica de Cristo vivida em nós transforma o ser humano em um bom mordomo do meio ambiente.
3) O que acontecerá com esse mundo?
Um dia todo esse sofrimento que a criação experimenta terminará em glória, tanto para o cristão, como para a criação. Um dia, Deus refará tudo isso. 2 Pedro 3.10 diz que o Senhor virá como ladrão, e os céus passarão com estrepitoso estrondo; os elementos se desfarão abrasados, também a terra e as obras que nela existem serão atingidas. Por isso não adoramos a terra, nem os bens materiais, visto que tudo há de ser desfeito. Apocalipse 21 diz que existirão um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe, a morte já não existirá, não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram, nunca mais haverá qualquer maldição.
II. O cristão geme
O ser humano em geral e o cristão em particular sofre uma inquietação interior, um anseio por um mundo diferente desse. Ele almeja o seu verdadeiro lar, pois apesar de ter perdido o paraíso, sabe que existe outro. Dificuldades financeiras e familiares, conflitos entre amigos, problemas crônicos com saúde, bullying na escola, frustração no serviço e até mesmo problemas na igreja fazem com que gemamos em nós mesmos. Esse mundo não é como deveria ser.
Também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? (Rm 8.23,24).
Deus utiliza esse anseio para nos desmamar desse mundo. Gememos e nos entristecemos, mas não como aqueles que não têm esperança. Clamamos “Até quando, Senhor?” não em tom de desafio, mas pela fé que o Senhor é o Único que pode nos dar esperança. No fundo do nosso ser, sabemos que esse não é o mundo que Deus criou para nós. Gememos, porque o sofrimento é real. Mas Ele responde: Espere só mais um pouco, Eu estou com vocês e sinto a sua angústia.
A natureza da nossa vida na terra é viver no escuro, mas ter a certeza da luz.
III. O Espírito Santo Geme
Também, o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza, porque não sabemos orar há como convém, nem isso nós conseguimos. Mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis [ou melhor, não falados].
O Espírito de Deus intercede por nós, nos assiste e apoia. Em Romanos 8, percebe-se que esse é o último trabalho do Espírito Santo numa lista grande de atividades: O Espírito habita em nós, nos santifica, nos guia, confirma que somos filhos de Deus e, finalmente, intercede por nós com “gemidos”.
O Espírito fica ao nosso lado, socorrendo-nos em nossas fraquezas, gemendo por nós, intercedendo por nós, pois sabe do que nós carecemos. Somos tão ignorantes e fracos, que nem sabemos como orar. Mas Ele nos ajuda, até mesmo articulando o que nós devemos pedir a Deus, porque Ele sabe qual é o objetivo que Deus tem para a nossa vida. Para isso, devemos clamar por sabedoria para enfrentar as provações (Tg 1.5).
No momento em que não sabemos como nem pelo que orar, o Espírito Santo faz isso por meio de gemidos inexprimíveis (v.26). Esses gemidos não se tratam de dons de línguas, como muitos afirmam, pois a palavra “inexprimíveis” literalmente significa “não faladas”, ou seja, inaudíveis, silenciosas. O Espírito não precisa articular com vogais e consoantes, porque Ele e o Pai estão em sintonia total. O Espírito geme e se angustia por nós.
Conforme versículo 27, esse gemido do Espírito é por saber o que nos aguarda e por entender o que Deus quer fazer em nós por meio das provações. Deus o Pai sempre atende ao pedido do Espírito a nosso favor. Aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que Ele intercede pelos santos. Os dois estão totalmente sintonizados, com o mesmo objetivo.
E qual é esse objetivo? O desejo de Deus e a mente do Espírito é que eu e você sejamos mais parecidos com Cristo Jesus. O Espírito Santo é o Escultor-Mor que usa o martelo da Palavra e a talhadeira de circunstâncias difíceis para formar a imagem de Cristo em nós (Rm 8.28,29).
Um dia o gemido dos remidos será transformado em glória para o Redentor, porque nós seremos como Ele, refletindo sua glória perfeitamente para todo sempre e sem gemido algum.
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