A seguir, uma narrativa de primeira pessoa da perspectiva de um dos personagens da história da primeira Páscoa, Cleopas, registrada em Lucas 24.13-48. Para conferir os detalhes da história e discernir entre fato e especulação, leia o texto bíblico primeiro.
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A esperança que se adia faz adoecer o coração.
Foi o que disse nosso grande e sábio rei Shelomoh Ben Davi (Salomão, filho de Davi - Pv 13.12)... E era assim comigo na primeira Páscoa da era cristã. Porque todas as minhas esperanças haviam sido esmagadas e despedaçadas numa cruz romana numa sexta-feira.
Mas primeiro, permita que eu me apresente. Meu nome é Cleopas. Alguns me chamam de CleoFAS, e outros de Clopas, formas abreviadas de um nome comum entre nós: “Cleopátros”, ou seja, “filho de um pai renomado”. Minha esposa, Maria, me acompanhava naquele domingo que começou de maneira tão terrível, mas terminou de forma tremenda. Não tenho orgulho da nossa participação nesta história - de fato, fomos registrados pelo historiador Lucas nas Sagradas Escrituras como tolos, pela cegueira espiritual que nos envolvia. Não quero me justificar, mas para entender a nossa tristeza naquele dia, gostaria de contar um pouco do que havia acontecido na Cidade Santa, Jerusalém, um pouco antes...
Foi a época da Páscoa, a celebração nacional que para nós era como seu Natal, Ano Novo e Dia da Criança tudo em uma grande festa. Multidões subiam para Jerusalém não somente de todo Israel, mas de todo o Império Romano. E aquele ano havia uma grande expectativa pairando sobre a cidade. Todos sabiam que algo especial iria acontecer. Todos imaginavam que finalmente Jesus de Nazaré, grande profeta e porta voz de Deus, seria aclamado Rei, Salvador da Pátria, Aquele que tiraria para sempre o jugo amargo dos romanos do nosso pescoço.
No domingo anterior, Jesus havia entrado na cidade com gritos de “Hosana! (Salve agora!) Bendito é o Rei, filho de Davi, que vem em nome do Senhor! (Lc 19.38; Mt 21.9) Pela primeira vez em muito tempo, nosso povo tinha ESPERANÇA.
Mas nem todos estavam esperançosos. Aqueles que se agarravam no poder - os fariseus, saduceus e sacerdotes, rangiam os dentes diante da popularidade de Jesus. Sabíamos disso, mas nunca imaginávamos que seriam capazes de fazer o que fizeram com Jesus.
Durante toda aquela semana, minha esposa, Maria, amiga íntima da mãe de Jesus, acompanhou de perto tudo que Ele fazia e falava, enquanto eu trabalhava no campo. Depois, ela contou-me relatórios maravilhosos dos eventos que precediam o que esperávamos ser o dia da coroação de Jesus.
Mas também contou como Jesus amaldiçoou e fez secar uma figueira, símbolo histórico do nosso povo; como ele expulsou os vendedores do Templo, derrubando suas mesas e cadeiras e impedindo que qualquer mercadoria entrasse ali. Jesus fazia novos inimigos a cada dia.
Em outra ocasião, ele deu respostas brilhantes quando desafiado pelos fariseus, herodianos, saduceus e escribas. Indagado sobre impostos, disse: “Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Confundindo-os ainda mais, perguntou “Se Cristo é filho de Davi, por que é que Davi O chama de Senhor?” Interessante, a única coisa capaz de unir os inimigos de Jesus era seu ódio por Jesus! Até o mundo gentio começou a enviar embaixadores até Ele, o Rei dos Judeus: “Senhores, queremos ver a Jesus!”
Na quinta-feira eu também subi para Jerusalém da nossa aldeia Emaús. Era uma caminhada de mais de duas horas, cerca de 11 km. Ali ficamos com parentes, como de costume, para celebrar a Páscoa.
Havia um ruído de grande expectativa em toda a cidade. O próximo dia seria a Páscoa, o dia em que milhares de cordeiros de um ano, sem defeito, seriam sacrificados. Uma lembrança do Êxodo quando Deus poupou a vida dos primogênitos e nos libertou da escravidão do Egito. Mas acima disso, esperávamos que seria “O DIA” - a inauguração de um novo Reino com um novo Rei.
Mas também havia muita atividade suspeita. Olhares esquisitos da parte dos nossos líderes. Gente sussurrando nos cantos. Um aumento significativo de soldados romanos, homens profanos e mal-educados no meio da nossa Festa. Mas, em geral, uma alegria e expectativa de um novo dia amanhecer. Engano nosso.
Soubemos que Jesus iria celebrar a Páscoa com seus amigos naquela mesma noite no cenáculo que pertencia a outra Maria e seu filho, João Marcos. Normalmente, a celebração seria na tarde no dia seguinte, logo depois do sacrifício dos cordeiros no Templo. Não entendíamos porque Jesus estava antecipando sua festa. Só depois entendemos que Ele mesmo seria sacrificado naquele momento, junto com os cordeirinhos, o Cordeiro que tira os pecados do mundo.
Mal dormimos naquela noite. Éramos como crianças esperando uma grande festa... Mas foi por volta das 6 horas da manhã que ouvimos um clamor, alguém batendo na porta e gritando para todos nós. Era Maria, dona do cenáculo, mãe de João Marcos. Contou-nos uma história que nos arrepiou: Na noite anterior, depois da ceia, as autoridades haviam prendido Jesus. Os discípulos fugiram depois de um confronto com os guardas do Templo no Jardim do Getsêmani. João Marcos viu tudo de longe, e quase ficou preso também. Jesus foi interrogado e torturado ilegalmente no pátio do sumo sacerdote Caifás, sem ninguém para defendê-lo. E estava sendo levado para Pilatos para ser condenado à morte. O motivo: Suposta traição contra o Império.
Os outros eventos daquele dia se mesclam na minha memória como um pesadelo confuso. Foi uma farsa de processo judicial. Jesus sendo rebatido entre Pilatos e Herodes como uma batata quente que ninguém queria segurar. Finalmente Pilatos O apresentou diante do povo. Achando que havia encontrado a solução perfeita, ofereceu soltar um de dois prisioneiros, costume nas festas mais importantes - Barrabás, homicida, encrenqueiro e líder de rebeliões na cidade, ou Jesus, o “Rei dos Judeus”.
Qual foi sua surpresa quando o povo, incitado pelos sacerdotes, escolheu Barrabás. “E o que farei com esse Jesus, chamado Cristo?” “Crucifica-o! Crucifica-O!” foi o grito das multidões, pessoas que eu nunca havia visto na minha vida. E foi assim. Pilatos se acovardou diante deles. Achava que a voz do povo era a voz de Deus. Engano dele.
Jesus, nosso amigo, o Mestre, nossa Esperança, foi crucificado entre dois ladrões comuns. Uma morte horrível. Uma morte cruel. Uma morte injusta.
Maria, minha esposa, conseguiu passar pela cerca de guardas e soldados para ficar com Maria, mãe de Jesus, e outras mulheres. Viu o sangue do Mestre formar pequenos poços no solo rochoso ao pé da cruz. Ouviu cada exclamação de angústia enquanto Jesus se levantava sobre os pregos para engolir um bocado de ar, enquanto seus pulmões enchiam de líquido. Sete vezes ele conseguiu respirar o suficiente para repetir palavras que pareciam recapitular a mensagem da vida dEle:
1) Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem;
2) Hoje estarás comigo no Paraíso;
3) Mulher, eis aí o teu filho; eis aí a tua mãe;
4) Eli, Eli, Lema Sabactâni (Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste?);
5) Tenho sede;
6)Tetelestai (Está consumado (totalmente pago);
7) Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.
E assim, expirou. Na mesma hora em que os cordeiros estavam sendo sacrificados no Templo, Aquele que era o Autor da Vida, entregou sua vida. Morreu. E com ele, a nossa esperança.
Foi tirado da cruz depois de um lance cruel no seu lado, “só para garantir”, de onde saiu água e sangue. Tudo feito às pressas, porque nossos líderes não queriam se contaminar com um cadáver logo antes do sábado. Irônico. Assassinaram o homem mais inocente na face da terra, e não queriam se contaminar com seu cadáver.
Passamos a noite e o próximo dia debaixo das nuvens pretas de decepção e desânimo. Era como se os pais de uma criança decidissem se divorciar na véspera do seu aniversário. Ou como se um noivo morresse a caminho para o casamento. Não havia mais razão de viver. Nosso mundo havia desmoronado.
Por isso, assim que terminou aquele sábado, o primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, eu e Maria decidimos voltar para Emaús. Não havia mais razão de ficar na cidade. E por ser o primeiro dia da semana, eu precisava voltar ao campo trabalhar. Mas a vida perdera seu sabor.
Na saída da cidade ainda encontramos grupos aqui e ali conversando sobre os eventos daqueles dias. Chegaram até nós boatos de que o túmulo estava vazio, alguns dizendo que alguém havia roubado o corpo, outros que haviam visto anjos. Para mim, foi mais um golpe da parte de Pilatos, Caifás e todos os políticos corruptos da cidade. Não havia mais espaço em meu coração para ESPERANÇA VAZIA!
Enquanto arrastávamos nossos pés naquela longa e empoeirada estrada, cabisbaixos, sob as nuvens de desilusão e tristeza, conversávamos sobre todos os eventos da semana anterior. Mal notamos o estranho que rapidamente nos alcançou e diminuiu seu ritmo para nos acompanhar.
“Que é isso que deixa vocês dois tão preocupados e tristes? Disse Ele. O que aconteceu?”
Paramos, boquiabertos. Tinha que ser um estrangeiro mesmo para ser tão ignorante de tudo que havia acontecido - tantos sonhos, tantas esperanças dissipadas com a morte do Profeta. Inundado novamente pelas ondas da tristeza, respondi com incredulidade, “Você deve ser a única pessoa em toda a cidade de Jerusalém que não sabe de tudo que aconteceu nestes últimos dias!”
Ele respondeu com uma inocência incomum, “O que aconteceu?”
Então explicamos todos os eventos recentes. Repetir toda a história somente serviu para aprofundar ainda mais o vazio no nosso coração. Resumimos dizendo “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.” Quando falei “terceiro dia”, ele deu um olhar estranho, mas não pensei mais sobre isso até mais tarde.
Também expliquei sobre os boatos que ouvimos, das mulheres que não acharam o corpo, mas relataram que haviam visto anjos. Contaram dos discípulos que viram o túmulo vazio, e como tudo não passava de chantagem e esperança vazia.
Foi quando o viajante parou. Fitou-nos os olhos e falou algo que nunca esquecerei. “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!” ele disse. “Porventura, não convinha que o Messias padecesse e entrasse na sua glória?”
De alguma forma, em vez de ficar ofendido, foi como se uma pequena chama reascendesse na minha alma. E daquele momento em diante, um “santo arrepio” tomou conta de nós. Nosso novo amigo começou pelos livros de Moisés, expondo a centralidade de Cristo nas Escrituras, e não parou até o final das Escrituras, quando chegarmos à entrada da nossa aldeia.
Ele comentou que iria mais adiante, mas não podíamos perder aquela oportunidade. O fogo da esperança queimava novamente em nossos corações! “Senhor, por favor, fica conosco só mais um pouco. É tarde, a estrada é perigosa, e você deve estar com fome!” No fim, prevalecemos, e ele concordou em ficar conosco. A comunhão foi doce, e nossos olhos se abriram para entender a unidade e o foco das Escrituras como nunca antes. Pensamos, “Quem é esse rabino tão erudito, mas tão humilde?”
Não demorou muito para termos a resposta. Quando chegamos à mesa, nosso convidado assumiu o papel de anfitrião. Tomou o pão, falou a bênção e o partiu. Havia algo muito estranho, muito familiar do jeito como ele partiu o pão, e parecia como se trouxesse a Ele memórias doce-amargas também. Mas foi quando ele estendeu o pão para cada um de nós que vimos as cicatrizes - marcas de alguém que havia sido crucificado. Meus amigos, ninguém sobrevive uma crucificação. Só podia ser o Senhor ressurreto! Olhamos para Ele, que nos deu um sorriso, e desapareceu.
Atônitos, reconhecemos que era mesmo o Senhor. Estava vivo! Era tudo verdade! Foi por isso que ardiam nossos corações pelo caminho, quando Ele mesmo falou de Si próprio em todas as Escrituras!
Tínhamos que voltar para Jerusalém! Todos precisavam saber! Naquela hora! Naquela noite! Todo o cansaço e decepção que arrastava nossos pés na vinda para Emaús virou ânimo e esperança na volta. Voamos sobre aqueles 11 km de subida até Jerusalém. Jesus estava vivo! Nosso Rei voltou! Nem a morte conseguiu prendê-lo! Renovou-se a nossa esperança! A ressurreição fez toda a diferença.
Experimentamos o que nosso profeta Isaías disse - os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam.”
Ao mesmo tempo, quase demos risada pensando na nossa tolice quando lhe perguntamos, “És tu o único em toda a cidade que não sabe o que aconteceu nestes últimos dias?!” De fato, Ele era o ÚNICO que entendia TUDO que havia acontecido. Foi Ele que suou gotas de sangue em Getsêmani... que foi abandonado por todos os seus amigos, sabatinado pelo sumo sacerdote, perseguido por Pilatos, ridicularizado diante de Herodes, teve sua barba arrancada e foi cuspido pelo soldados. Foi ele que sentiu as farpas da rude cruz na carne moída das suas costas e a dor excruciante dos pregos perfurando seus pés e suas mãos. Acima de tudo foi ele, somente ele, que suportou a vexame dos nossos pecados, pendurados sobre seu corpo nu. Como Deus-homem puro, santo, inocente, Ele sofreu uma dor infinita quando, pela primeira vez na história do universo, Seu Pai virou as costas e recusou olhar para Seu Filho angustiado, que se fez pecado por nós. Ele foi o único que experimentou o frio da morte e as sombras do interior do sepulcro. E foi Ele que vencera a morte, justamente no terceiro dia, assim como havia nos profetizado. ELE ERA O ÚNICO QUE DE FATO ENTENDIA TUDO O QUE HAVIA ACONTECIDO!
Quando chegamos a Jerusalém, encontramos os onze reunidos, com vários outros presentes. Todos estavam animados, porque Simão Pedro também havia encontrado com o Senhor. Ofegantes, contamos tudo que aconteceu no caminho, e como O reconhecemos na hora que Ele partiu o pão.
Ainda falávamos essas coisas, quando Jesus mesmo apareceu, do nada, no meio de todos nós e nos disse, “Paz seja convosco!” Todos nós ficamos pálidos e recuamos um pouco. Pensamos que era um fantasma. Mas Ele nos acalmou, mesmo que parecesse que ainda não entendesse como não compreendíamos as Escrituras e as profecias a Seu respeito.
“Vejam as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo. Apalpem-me e verifiquem, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vêem que eu tenho.”
Agora foi a alegria - a renovação da esperança - que nos deixou atônitos, admirados, mas ainda um pouco desconfiados. Era possível alguém vencer a morte?
Foi então que ele pediu algo para comer. Demos um pedaço de peixe assado, ele comeu, e pareceu como se fossem os bons velhos tempos novamente. Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Era ele mesmo, e estava vivo!
Ele repetiu para todos aquela aula de panorama bíblico. E nos deu uma comissão: De sermos testemunhas da Sua ressurreição e vitória sobre a Morte e sobre o Pecado. Deveríamos pregar arrependimento para remissão dos pecados em Seu nome para todas as nações, começando de Jerusalém. Missões era nossa nova missão! Proclamar como testemunhas a glória do Cristo ressurreto!
E foi assim que no dia mais sombrio das nossas vidas, o sol da esperança brilhou mais intensamente. A ressurreição fez toda a diferença! O mundo nunca seria o mesmo. Lembrei-me daquele Provérbio de Salomão,
A esperança que se adia faz adoecer o coração...
MAS O DESEJO CUMPRIDO É ÁRVORE DE VIDA.
A ressurreição de Jesus foi a ressurreição da nossa esperança. O coração doente recobrou alegria. A árvore da morte, a cruz, transformou-se em árvore de vida. Jesus conquistou a morte e nos deu razão para viver!
Porque vivo está, o amanhã enfrento,
Porque vivo está, temor não há.
Pois eu bem sei que é dele o meu futuro
E a vida vale a pena, Cristo vivo está.
Que Deus os abençoe com essa promessa: A esperança que se adia faz adoecer o coração...MAS O DESEJO CUMPRIDO É ÁRVORE DE VIDA.
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